Estava eu na fila do supermercado, observando o quanto tem gente espaçosa (folgada) neste País e pensando algo do tipo “- Cada povo merece o governo que tem”, quando uma senhora se aproxima de mim e começa a falar um monte, enquanto balança uma pasta contendo alguns documentos. Obviamente, não entendo lhufas do que ela está a dizer. Só fico com a sensação de que ela está pedindo algo.
Olho bem para ela e, meio sem paciência, pergunto:
- Do que a senhora precisa?
- Comida – ela diz. – Arroz, feijão, essas coisas…
Meu primeiro pensamento é “- PQP! Serei enganado de novo“. Olho para a Sra. novamente e, com cara de poucos amigos, falo:
- Pode buscar.
Enquanto ela vai e volta trazendo arroz, feijão, macarrão, molho de tomate, pasta de dente e mais um ou outro item, tenho uma rápida discussão comigo mesmo:
- E se ela estiver me enganando? – Diz a parte cansada de ser passada para trás.
- E se ela não estiver? E se ela estiver precisando de ajuda? – Retruca a outra. – Você e eu conhecemos gente que já esteve nesta situação. Não gostaria que alguém tivesse ajudado? – Continua a parte que tem mais afinidade com a culpa.
- Que se foda! Que diferença faz ser engando? – Fala a parte desconfiada já conformada com sua incapacidade em dizer não. – No fim, essa merda de vida é o que a gente faz dela. Prefiro pensar que eu ajudei.
E lá se vai a Sra., carregando os mantimentos dela, após ter agradecido e rogado uma benção.
A parte engraçada é que não escrevi esta porra para parecer melhor do que ninguém. Escrevi por estar de saco cheio dessa visão puritana sobre a bondade.
Estou aí eu, por exemplo. Voando longe da mais remota sombra de perfeição. BEM longe. Impaciente e desconfiado. Fazendo algo por culpa, por bondade, por um pouquinho de ambos ou por nenhum dos dois… Honestamente, que diferença isso faz?
E, na minha volta para casa, pego-me pensando no que os outros chamam de fé. Para mim, fé é aquele momento no qual você decide ser enganado de novo, pelo “risco” de estar certo desta vez. É a sua aposta não numa entidade invisível, não em você, mas no outro. Naquele outro tão problemático, confuso, perdido e imperfeito quanto você mesmo.
E se desta vez, só desta vez, você for aquela ínfima probabilidade, aquele último fio de esperança, aquele “milagre” pelo qual o outro rezou?Terá valido a pena?
Eu não sei, acho que tenho mais medo de ser enganada e talvez tenha me negado a ajudar pessoas que realmente precisavam por não saber qual era a real… Uma vez tava no Extra da Brigadeiro e uma senhora veio pedir pra eu pagar umas pizzas pra ela e pras crianças dela. Sério? Pizza? Eu sei que todo mundo merece um conforto vez ou outra, mas se você estivesse com fome, pediria pra pagarem pizza ou alimentos de 1ª necessidade? Sei lá, acho o povo meio sem noção… Outra vez tava no PA e conversando com o segurança, ele me falou que alguns moradores de rua entram e pedem para os outros comprarem coisas (geralmente sabão em pó) e depois vendem do lado de fora (não sei quem compraria algo do tipo de um morador de rua). Depois disso, fiquei mega desconfiada de qualquer coisa! A única coisa que sei é que a pilantragem do brasileiro é tão criativa que nós (pessoas de boa-fé) não conseguimos ver maldade nas coisas até que alguém nos mostre que ela existe! Acho que hoje em dia, comigo pelo menos, é bem mais difícil arrancar dinheiro ou o equivalente. É uma situação extremamente constrangedora, mas, frequentemente, sou forçada a dizer não…
Oi, Ká.
Não há como saber e eu também não ajudo sempre. Apenas tento, de vez em quando, “colocar em xeque” a minha própria desconfiança e ter um pouco mais de fé.