Por que a Nostalgia Nos Faz Bem: A Ciência por Trás das Nossas Memórias
- Daniel Dante
- 25 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
Sobre memórias de infância, cartas de Pokémon e a ciência da nostalgia.
Ontem, encontrei uma caixa com diversos tazos de Pokémon, e imediatamente minhas memória foi para os anos 90 e lembrei das horas que passava jogando e trocando tazos.
Sim, eu amava Pokémon. Mas quem não amava, se você nasceu nos anos 80 e teve sua infância e pré-adolescência nos anos 90?
E nesse época do ano, esse sentimento fica mais tátil. Há algo sobre o Natal que inspira essas memórias de infância. Talvez seja o brilho suave das luzes piscando ou o jeito como o mundo parece desacelerar, nos convidando a olhar para trás.
Seja o que for, essa caixa me deixou mergulhado em lembranças. Por que a memória afetiva nos faz tão bem? E por que a desejamos tão profundamente?
Primeiro, a definição: Nostalgia
É um sentimento mais amplo, geralmente caracterizado por uma saudade idealizada do passado, que pode ou não estar ligada a experiências específicas.
Pode incluir uma sensação de perda ou desejo de reviver tempos que pareciam melhores ou mais simples.
Tem uma dimensão coletiva: as pessoas podem sentir nostalgia por períodos que não viveram diretamente, como a "era de ouro" de um país ou a estética de uma década.
A nostalgia pode ser positiva ou negativa, dependendo do contexto e da interpretação:
Positiva: Quando traz conforto, sensação de pertencimento ou inspiração, conectando a pessoa a momentos felizes ou dando sentido ao presente.
Negativa: Quando gera um sentimento de tristeza, insatisfação ou frustração com o presente, por acreditar que o passado era melhor e irrepetível.
Cientistas dizem que esse sentimento muitas vezes surge ao lembrar de uma memória positiva da infância, um tempo em que éramos cuidados.
Krystine Batcho, professora de psicologia no LeMoyne College, afirma que consumir conteúdos que resgatam momentos positivos do passado pode nos ajudar a refletir sobre quem somos e a dar sentido ao nosso propósito na vida.
A professora Batcho estuda nostalgia desde os anos 1990, tendo desenvolvido em 1995 um Inventário de Nostalgia para avaliar nossa propensão a sentir nostalgia.
De forma semelhante, a professora Ziyan Yang explicou que, ao vivenciarmos a nostalgia, podemos sentir uma sensação de calor, carinho e pertencimento, além de experimentar uma espécie de “viagem mental no tempo”.
Esses sentimentos podem levar as pessoas a buscar experiências nostálgicas.
O professor Yang afirma que filmes e músicas desencadeiam nostalgia com facilidade, e que experiências nostálgicas podem ser especialmente reconfortantes em momentos difíceis (por exemplo, durante a pandemia de COVID-19, no contexto atual de policrise. Por isso estamos, todos, nos sentindo mais nostálgicos).
Isso ocorre porque, geralmente, encontramos conforto na nostalgia em períodos de perda, ansiedade, isolamento ou incerteza.
No entanto, grande parte da nostalgia remete a períodos da infância. Batcho diz que uma razão importante para isso é que “na infância, éramos amados simplesmente por quem éramos”.
Nostalgia: Sua surpreendente história
A nostalgia nem sempre foi celebrada.
Em um tempo, a nostalgia era considerada uma doença cerebral, e a ciência só mudou sua visão na segunda metade do século XX.
Em 1688, um estudante de medicina suíço, Johannes Hofer, cunhou o termo “nostalgia” ao combinar duas palavras gregas: nostos (“retorno ao lar”) + algos (“dor”).
Hofer estudou os efeitos da nostalgia em mercenários suíços e afirmou que se tratava de uma “doença cerebral de causa essencialmente demoníaca”.
Mesmo séculos depois, a nostalgia ainda era vista com seriedade.
Nos séculos XIX e XX, imigrantes nos Estados Unidos eram descritos como sofrendo de uma “psicose do imigrante”, uma tristeza profunda pelas casas que deixaram para trás enquanto tentavam construir novas vidas na terra das oportunidades.
Felizmente, a ciência redimiu a nostalgia.
No final do século XX, pesquisadores começaram a vê-la não como uma doença, mas como uma emoção humana profunda com benefícios psicológicos reais.
ajuda as pessoas a encontrar significado em suas vidas, fortalecendo os laços sociais e conectando nosso "eu" do passado com quem somos hoje;
protege contra ameaças existenciais, como o medo da morte ou a sensação de que a vida carece de propósito.
No entanto, também existem alguns aspectos negativos da nostalgia, como Dante Alighieri – o maior poeta da Itália – capturou no Canto V de A Divina Comédia: Inferno:
Não há dor maior do que relembrar um tempo feliz na miséria.
Nostalgia é um termo amplo e carrega uma idealização do passado, podendo ser positiva (trazendo conforto) ou negativa (gerando melancolia)
Uma pesquisa de 2012 descobriu que, para pessoas propensas a preocupações, a nostalgia pode, às vezes, amplificar sentimentos de tristeza.
A professora Batcho diz que é improvável que a nostalgia cause depressão ou ansiedade, mas uma pessoa clinicamente deprimida ou desafiada por um transtorno de ansiedade pode ter maior probabilidade de “se perder” na nostalgia, ou seja, um estado melancólico.
Valorizar memórias felizes é algo lindo.
E não há nada de errado em fazer isso, concordam os cientistas.
A nostalgia deve ser um lembrete suave do que há de bom em nossas vidas, não uma régua que diminua o presente.
Se for assim, é bom sentir um pouco de nostalgia.
O Brasil e a nostalgia
É provável que o termo tenha sido incorporado ao nosso idioma no século XIX, acompanhando a influência de correntes literárias europeias, especialmente o Romantismo, que valorizava expressões de sentimentos profundos e subjetivos.
Autores românticos brasileiros, como Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu, frequentemente exploravam temas de saudade e idealização do passado.
No contexto brasileiro, a palavra saudade já desempenhava um papel significativo na expressão de sentimentos semelhantes aos da nostalgia, o que pode ter retardado a adoção do termo estrangeiro.
Independentemente da incorporação do termo no vocabulário do nosso país, a nostalgia tem um lugar especial no Brasil. Nossa cultura valoriza profundamente as memórias afetivas e o apego a tradições.
E esse sentimento é constantemente explorado em estratégias de comunicação, seja para resgatar valores compartilhados ou para criar um vínculo emocional com o público.
Campanhas publicitárias que evocam músicas, sabores ou elementos visuais do passado frequentemente despertam nos brasileiros uma sensação de pertencimento e identidade coletiva. Marcas utilizam a nostalgia para reforçar autenticidade, ressignificar produtos e até promover inovações. Um exemplo marcante é a recriação de embalagens ou jingles clássicos, que conectam diferentes gerações e despertam um sentimento de continuidade.
No Brasil, a nostalgia também é um recurso poderoso para humanizar marcas, especialmente em tempos de crise ou incerteza, quando o público busca conforto em símbolos familiares. Esse fenômeno reflete o poder da nostalgia como uma ponte emocional que conecta passado, presente e futuro, transformando memórias em estratégias significativas e eficazes.
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